UM BURACO CHAMADO DESEJO
Se um simples buraco começa a significar privação, é o bastante para que oscile o majestoso edifício do amor. Meu desejo agora incha, filho da contundência. Ganas de preencher.
Pepo sente pânico de ser penetrado. Seu cu é a parte mais rigorosamente proíbida. Há alguns anos atrás, forçou-se a dar. Mas, de tão tenso, praticamente abortou as tripas, que saíram grudadas no pau do parceiro. Pepo conta que chorou de medo, ante aquela flor maligna intrusa a pender dentre suas pernas. Com dedos incertos, empurrou-a para dentro e devolveu assim, às profundesas, seu maior estigma, seu mais intestino segredo. Entranhou-se também seu horror.
Essa possibilidade não me incomoda até o momento em que seu buraco interditado ao amor começa a ser assediado pelo meu desejo cafajeste que já anda babando e bêbado. Nessas horas, Pepo é benevolente: dispõe-se às tentativas possíveis, com auxílio de nossos diversificados arsenal de cremes e de inusitadas carícias.
E no entanto, nada.
Meu desejo galopa desenfreado mas impossível. Consolo-me mordendo os lábios. Há defasagens, remordimentos. Arranco sangue.
Será essa talvez a face canibalesca do amor. Eu e Pepo duelamos. Eu o agarro, ele foge. Quero desvendar seu labirinto. Mas ele mantém o segredo num cofre sem fechadura. Ou será minha chave inadequada?
Já não sei onde termina o suplício que padeço e onde começam as torturas que lhe aplico. Pouco importa tanta sutileza.
Além do dedo e língua, tentamos objetos — um pepino inglês, por exemplo, de diâmetro bem modesto. nada entra. Pepo chora dizendo que, apesar de hermético, seu amor é imenso. Mas parece que nem toda paixão do mundo faria o mais desejado cu se abrir.
Ele resiste como uma muralha.
Interrompemos a trepada outra vez. Cada um de nós vai chorar num canto. Eu, de tesão enrustido. Ele, de culpa acumulada. Prometo redobrar as tentativas. Eu, Dom Quixote, e minha lança afogueada.
retirado do livro "Vagas notícias de Melinha Marchiotti" do João Silvério Trevisan
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