Deve ser acompanhado com preocupação o projeto de lei que tramita na Câmara com a finalidade de criar o Estatuto do Nascituro. Aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação, o texto altera o tratamento jurídico reservado àqueles que ainda não nasceram.
Entre outras inovações discutíveis, a proposta equipara os direitos de embriões congelados "in vitro" aos que já estão em fase de gestação. Além da flagrante desproporção, a novidade pode criar dúvidas jurídicas relevantes - por exemplo, todos disputarão a herança em pé de igualdade?
Ainda mais polêmico - e por isso mesmo sob fortes críticas de organizações ligadas aos direitos da mulher- é o ponto que diz respeito à gravidez resultante de estupro.
A proposta assegura ao nascituro, nesses casos, uma pensão alimentícia a ser paga pelo estuprador ou, não sendo ele identificado, pelo Estado. Fica nítida a intenção do legislador de desestimular a opção pelo aborto - permitido por lei em caso de estupro.
Assim, às custas de um fundo criado com recursos de toda a sociedade, corteja-se demagogicamente uma parcela de opinião cuja bandeira pró-vida passa por cima de casos em que a sensibilidade e os direitos da mulher vitimada merecem exclusiva atenção.
Além disso, força-se um vínculo, que a vítima desejará evitar, com o criminoso --vale lembrar que o estupro é condenado pelo Código Penal com penas que variam de seis a dez anos de prisão.
Depois de aprovar recentemente o projeto da "cura gay" na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, o deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) pretendia que o Estatuto do Nascituro fosse analisado pelo órgão. Voltou atrás, contudo, provavelmente sob influência da onda de manifestações.
Com todos os seus absurdos, o texto ora em discussão é um substitutivo apresentado para reparar equívocos ainda maiores da versão original. Desde que surgiu, em 2007, a proposta se caracterizou pela redação confusa e por deficiências de técnica legislativa.
Entre os aspectos mais criticados estavam a tentativa de disciplinar temas já sistematizados em lei própria, a inclusão da interrupção da gravidez na lista de crimes hediondos e a criação de uma enigmática versão culposa para a prática do aborto.
Nem com essas correções, contudo, o projeto merece continuar em tramitação.
Publicado no editorial da Folha de São Paulo 08/07/13
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