Que morram as bichas de “Insensato Coração” como as sapas de “Torre de Babel” para alegrar os reaças. Uma das milhares de hipóteses para o fim do casal gay da novela, a morte deles seria bem menos séria do que a das meninas porque a atual novela de Gilberto Braga já cumpriu, de longe, o papel social em favor dos LGBT. Acho difícil Gilberto Braga e Ricardo Linhares matarem os dois no fim da trama, mas caso isso ocorra a gente pode continuar comemorando.
Porque eu acho que a gente tem é que olhar para os outros nove meses de novela para perceber que nunca na história desse País uma novela foi tão eficaz e relevante no que diz respeito à visibilidade da diversidade sexual. Fanático por novelas que sou, sei muito bem que em nenhuma outra, mesmo na fervidésima “Ti Ti Ti”, o personagem homossexual foi tão dignamente colocado.
A diferença mais marcante de “Insensato” para as outras novelas, na minha opinião, não foi mostrar uma Parada Gay, um casal normal e bonitinho ou um quiosque do arco-íris. O ganho que mostra o respeito que a novela tem por seus personagens gays vem no deslocamento do discurso de defesa dos LGBT para personagens considerados idôneos pelo público.
Se formos prestar atenção, Bete Mendes (Zuleica), Rosi Campos (Haydê) e Louise Cardoso (Sueli) foram as mais responsáveis por incutir respeito à diversidade sexual na cabeça do telespectador (que eu não concordo ser uma massa amorfa ou vítima da agulha hipodérmica). Foi esse trio que propagou a ideia de normalidade do homossexual, a noção de que a gente não quer ser tratado de forma especial, quer ser tratado como qualquer outra pessoa (o que significa que o mau humor da caixa do supermercado, por exemplo, nem sempre é homofobia, ok?).
O Roni de Leonardo Miggiorin estava ocupado demais com a badalação e fervo da vida social carioca para levantar alguma bandeira. Eduardo nem sabia que era gay, quiçá pelo que deveria lutar. E Hugo sendo um jovem professor de Direito não poderia agir diferente porque pareceria contraditório, e Gilberto e Ricardo não subestimam a inteligência de seu público.
A mensagem de respeito e necessidade de reconhecimento de direitos veio por um canal diferente e mais eficaz porque equipara o remetente da mensagem a quem precisa ouvi-la. As bichas não precisam saber de mais nada disso, estão carecas de saber já. Quem precisava ouvir umas verdades sobre os gays eram aquelas tiazinhas de meia-idade que têm o amor de mãe para amenizar suas opiniões, mas ainda sofrem a influência de um machismo do qual elas mesmas são vítimas.
Então ao colocar uma faxineira super honesta como Haydê defendendo o direito gay, Gilberto e Ricardo conferem uma grande confiabilidade, idoneidade e autoridade ao discurso. Para as milhares de mulheres simples e batalhadoras que se reconhecem na personagem de Rosi Campos é importante ouvir isso da boca dela. Ouvir, por exemplo, ela dizendo sobre adoção por gays que seus filhos, Natalie e Douglas, foram criados com pai e mãe e “deram no que deram”.
Entra ainda Bete Mendes e seu personagem de avó com a moral acima de qualquer suspeita fazendo força para não discriminar o que não conhece, e se dando chance de descobrir o desconhecido, o que é mais importante. Vejo nela um pouco de cada mãe da geração que hoje tem entre 50 e 60 anos (como a minha) e não consegue entender a homossexualidade por completo, mas se esforça para isso, sabe da importância que isso tem no mundo atual.
Foram as “senhoras de respeito” da novela (e elas não são as da Liga da Família Carioca) que carregaram o discurso mais eficaz contra a intolerância. Sueli todos os dias defendia alguém, articulava um pensamento positivo e produtivo e tocou inclusive na letra mais delicada da nossa sigla, o T, ao reconhecer a força das travestis para sobreviver no mundo cão das calçadas.
Não teve beijo às claras e um gay morreu brutalmente assassinado. São sim dois pontos que a gente considera negativos, com certeza, mas são praticamente únicos. Teve corte de cenas por parte da Globo, sim, mas as cenas cotidianas gays, em momento algum a proveitosa reunião do trio de senhoras foi editada, diminuída.
Estou torcendo para que as bichas não morram mais na novela, que fiquem felizes para sempre. Mas se morrerem vão poder ir com a alma mais leve por terem feito parte do momento de maior visibilidade gay nas telenovelas brasileiras. Nenhum beijo paga a “heterossexualização” do nosso discurso, essa “compra da briga” por parte de gente “respeitável” aos olhos do grande público. F%$#@-se o beijo, quero respeito.
Escrito por Hélio Filho no Mix Brasil
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