27.6.11

Não é preciso ser diferente para ser gay

  Blablablás 

Associar a homossexualidade à transgressão e ao excesso pode ter valor estético, mas tem efeito negativo sobre o ritmo do processo político
Os homossexuais podem se tornar invisíveis. É só saberem dissimular ou mentir. Quando a primeira Parada Gay de São Paulo surgiu, um de seus objetivos era, justamente, dar visibilidade à parcela da comunidade LGBT que queria afirmar sua existência e entabular um diálogo com a sociedade.
O viés era político. O slogan da parada, "Somos muitos e estamos em todas as profissões", equivalia a uma apresentação. Os manifestantes queriam mostrar quem eram e o que faziam. Reclamavam participação no processo jurídico-social e pediam proteção contra o preconceito e a discriminação. Eram 2.000 pessoas, e o ano era 1997.
Desde sua primeira edição, no entanto, o aspecto político do evento foi cedendo espaço ao carnavalesco. A Parada Gay de São Paulo transformou-se em uma grande festa. A maior de seu gênero no mundo. Atrai número de pessoas equivalente à população do Uruguai.
Movimenta centenas de milhões de reais. A expectativa é de que traga mais de 400 mil turistas à cidade.
Explica-se o fenômeno da carnavalização da Parada com o argumento de que os gays são "divertidos". A utilização desse estereótipo, contudo, contribui para mascarar a irresponsabilidade cívica e a alienação política de parte da comunidade LGBT.
Carnavalizar é fácil e agradável, mas é contraproducente.
O estilo exagerado que alguns participantes preferem adotar é legítimo e respeitável. Mas presta um desserviço para o avanço dos direitos à igualdade. O caráter festivo e a irreverência tiveram valor simbólico em um tempo em que a rejeição social contra a homossexualidade era incontornável. Acontece que as coisas mudaram.
Os milhões de pessoas que comparecerão ao evento na avenida Paulista deveriam ter presente a responsabilidade cívica de conquistar corações e mentes para a sua causa. O aspecto político da Parada exige certa sobriedade, ao menos em respeito às vítimas cotidianas da homofobia, no Brasil e no mundo. Hoje, o peso do discurso político tem de ser maior que a vontade de dançar.
A aceitação da homossexualidade pela opinião pública está vinculada à convivência com pessoas abertamente gays. Mostrar-se é importante. Nessa batalha, é mais estratégico exibir a semelhança. É mais difícil para o mundo identificar-se com o ultrajante.
Não se trata de exibir a orientação sexual, mas de garantir o direito pleno à liberdade de exercê-la. Associar o conceito da homossexualidade à transgressão e ao excesso pode ter valor estético, mas tem efeito negativo sobre o ritmo do processo político.
Para gente que cresceu com uma escala de valores antagônica aos direitos humanos dos LGBT, o comportamento escandaloso exibido tradicionalmente nas paradas equivale à retórica raivosa de um Jair Bolsonaro. O papel da Parada é mostrar que os homossexuais são serem humanos comuns, que têm direito a proteção e respeito, como qualquer outro cidadão.
Ninguém precisa ser diferente para ser gay. Não é necessário transformar-se na caricatura de si mesmo. 

Texto escrito por Alexandre Vidal Porto, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), é diplomata de carreira e escritor, e publicado na Folha de São Paulo

2 comentários:

Leandro Silva disse...

Gostei da temática. muito importante isso de perceber qual o momento que estamos vivendo, e nos apropiar de discursos e ações pertinentes para que sejamos tratados com respeito.
Acho que devemos aprender a separar o cultural do social para que as coisas fiquem bem claras. A trangressão, a originalidade e a excentricidade são muito importants quando tem o papel de marcar as nossas manifestações culturais, mas em política e "sociedade" comedimento e sobriedade são essenciais para que sejamos respeitados e não, como diz o texto, Carnavalizados.

helô disse...

Eu entendo este ponto de vista, que pensa em estratégias polîticas concessivas, mas ele me faz lembrar de um fato histôrico bastante triste. Foi quando o movimento feminista norte-americano e europeu estava nascendo e decidiu que as lésbicas não poderiam fazer parte dele, pois elas queimavam a imagem das mulheres em geral (leia-se, das héteros). Essa fissura feita em nome da maior possibilidade de aceitação social gerou tantas complicações - entre lésbicas e héteros, na luta das pessoas lgbt, contradições do discurso emancipatôrio das mulheres, remoralização do discurso polîtico-social etc - que desconfio seriamente desse tipo de "solução". Ao meu modo de ver, a nossa luta é para que haja respeito de todas as formas legîtimas (no limite, não ilegais) de se viver, para que a norma social seja o respeito à vontade e independência de cada um, e não para que perpetuemos as normas de comedimento e sobriedade, que fazem triste a vida de muitos de nôs.

2 Comentários
Comentários

Assista!


























­Ss##########


۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞۞


Desde 2008

plano de fundo: "Emancipação" de Elisa Riemer

radio