As recentes agressões a um jovem na avenida Paulista trouxeram à tona a discussão sobre o projeto de lei nº 122/06, que criminaliza a homofobia, e a reflexão sobre a legitimidade do uso do direito penal para inibir a discriminação pela opção sexual.
Caio Prado Jr. dizia que todo povo tem na sua evolução, vista à distância, um certo sentido. O direito penal é o retrato fidedigno desse sentido evolutivo, pois, ao apontar os comportamentos menos tolerados, acaba por revelar os valores sociais mais prezados.
Assim, a lei penal só será legítima se proteger bens jurídicos derivados desses valores constitutivos da ordem social.
Os valores que fundamentam a ordem política e social brasileira estão previstos na Constituição: a dignidade humana e o pluralismo, de forma que a espinha dorsal da política criminal brasileira é a proteção de bens que promovam a autodeterminação do indivíduo.
A discriminação, por sua vez, é a antítese da dignidade e a negação do pluralismo. Por isso, a linha da política criminal brasileira é o progressivo combate ao preconceito, seja ele racial (lei nº 7.716/89), por motivos religiosos (art. 280 do Código Penal) ou por outras razões.
O projeto de lei nº 122 segue essa tendência, vedando a discriminação pela opção sexual porque tal conduta afeta a autonomia do indivíduo, ao negar-lhe liberdade para a construção de seu mundo de vida.
A realização da justiça, como diz Honneth, depende da proteção de um contexto social de reconhecimento recíproco, e esse contexto é incompatível com o discurso discriminatório. É verdade que a opção pela repressão penal nem sempre é a melhor alternativa.
O uso de políticas de educação e conscientização deve preceder à criminalização, a não ser que tais instrumentos mostrem-se incapazes para evitar determinados comportamentos. A constatação da Unaids (órgão da ONU, para a Aids) de que a cada três dias um homossexual é morto no mundo e as estatísticas brasileiras de cem homicídios anuais por homofobia revelam as razões do legislador para o uso do direito penal.
A lei penal, nesse caso, não tem finalidade pedagógica, não visa ensinar a tolerância e o convívio -finalidade alcançada por outros mecanismos, como a educação-, mas apenas impedir que sejam negados direitos a certos grupos sociais.
Por isso, a lei não criminalizará apenas o preconceito quanto à opção sexual, mas também punirá a discriminação por religião, origem, idade, sexo ou gênero com as mesmas penas previstas para os casos de segregação racial.
Pode-se questionar a quantidade de pena proposta, que equipara a discriminação à lesão corporal grave em alguns casos, em evidente desproporcionalidade, mas a definição do bem jurídico e a técnica legislativa estão de acordo com princípios constitucionais vigentes.
Alguns criticam a proposta por seu eventual conflito com a liberdade de expressão. No entanto, a liberdade de expressão -que é a faculdade do indivíduo manifestar seu pensamento sem censura prévia- não isenta o manifestante de responsabilidade civil ou criminal se o conteúdo das expressões violar a honra de alguém.
O projeto não impede a crítica a determinada opção sexual, assim como o ordenamento não proíbe objeções sobre religiões ou sobre ideários políticos.
As manifestações contrárias ou favoráveis a qualquer modo de vida fazem parte do convívio democrático, mas a exclusão social daqueles que optam por determinado culto, religião, ideologia ou opção sexual atenta contra o pluralismo e a dignidade humana, o que autoriza a intervenção penal diante de tais atos e legitima o projeto de lei em discussão.
Texto escrito por Pierpaolo Cruz Bottini, advogado e professor-doutor de direito penal da Faculdade de Direito da USP (também foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça) e publicado na Folha do dia 04/12
7.12.10
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