Bom-Crioulo
de adolfo caminha
os aspectos cruéis de uma fria realidade. considerado um dos mais perfeitos exemplos do naturalismo nas letras brasileiras, Bom-Crioulo em tudo defende a tese determinista, segundo a qual o homem deve ser retratado dentro de um ambiente pernicioso e podre, decorrendo daí seu caráter enfraquecido e perverso, sua falta de travas morais, sua perversão, principalmente sexual, causadora de seqüelas irreversíveis como a bestialização, a insanidade mental, a histeria ou a degradação. nesse romance, pela primeira vez na literatura brasileira, é tratado o tema da homossexualidade, tendo como foco a vida dos marinheiros, retratada, às vezes, com requintes descritivos que chegam às raias da fotografia.
narrado em terceira pessoa, esse romance, datado de 1895, tem como protagonista o jovem Amaro, negro escravo, homem forte e de boa índole, mas de espírito fraco que foge da escravidão e se embrenha na marinha. aí conhece Aleixo, grumete que atrai o bom crioulo por ser exatamente o oposto, branco e frágil. a narrativa transcorre linear, e gradativamente o autor deixa o leitor conhecer um vasto painel dos fatos que envolvem o caso amoroso de Aleixo e Amaro. no entanto, Aleixo também é o ponto máximo do amor da portuguesa Carolina, prostituta, mulher excessivamente carente, que nunca havia conhecido o amor desinteressado e é atraída pelo espírito infantil do rapaz branco, pelos olhos azuis e puros. na terra, envolve-o pelo amor carnal e passa a ser sua amante, mãe, amiga e transpõe para Aleixo todo seu coração reprimido pelas cruezas da vida, ama-o como mulher e como mãe, uma vez que ela não tivera a oportunidade de gerar filhos. o ciúme interfere nesse singular triângulo amoroso, fazendo Amaro agir irracionalmente, como um animal diante do instinto selvagem, destruindo a sua única razão de ser e de viver.
ambientado preferencialmente no mar, o romance de Adolfo Caminha é a síntese da perversão sexual, descrita de modo ousado e chocante com a arte e a técnica de um artista que soube captar com fidelidade os aspectos cruéis de uma fria realidade.
a narrativa concisa, além da elaboração da linguagem, são elementos que conferem a Bom-Crioulo um lugar de destaque em nossa literatura. No entanto, seu maior mérito é conseguir alargar nosso campo de visão, primeiro por mostrar que o naturalismo não está só nas mãos de Aluísio Azevedo. em segundo lugar, por possibilitar uma discussão interessante no que se refere ao determinismo e como o homem age em relação ao seu destino.
à primeira vista, esse debate poderia ser inspirado pelo que mais chama a atenção em sua história: a homossexualidade. no entanto, o autor não resvala por dois dos aspectos mais comuns desse assunto. não há a questão de se levantar ou se esconder a bandeira da condição sexual. além disso, não há a crise de identidade tão comum em tantas obras de mesma temática. muito pelo contrário a descoberta da preferência sexual deu ao protagonista mais força de viver.
Cabe aqui uma observação. Constantemente se diz que a homossexualidade é tratada nessa obra de forma crua e imparcial. De fato, o primeiro adjetivo pode estar correto, pois o sexo, na obra, faz-se de forma carnal, não havendo sublimação, o que é típico do Naturalismo, escola que apresenta o homem como animalizado, prisioneiro dos próprios instintos. No entanto, imparcialidade é um conceito questionável, pois a maneira como o narrador se refere aos atos íntimos de suas personagens atentado contra a natureza por si constitui um juízo negativo de valor.
No entanto, a homossexualidade não é a pedra de toque do romance, mas uma ponte para que se reflita sobre algo maior: até que ponto somos livres para decidir sobre nossa vida? Praticamente tudo na narrativa inspira essa questão. De início, deve-se lembrar que Amaro, personagem principal, é escravo fugido. Quer ser dono de seu próprio destino. Até que num golpe de sorte (nem lhe perguntam sua procedência) é aceito como marinheiro, o que ampliará os horizontes. A possibilidade de viajar, conhecer mundo, faz com que alcance sua bemaventurança, tanto que recebe o apelido de Bom-Crioulo , graças à sua benevolência que contrasta com seu porte físico sempre descrito, é importante notar, como algo olímpico, superior ao físico dos brancos.
No entanto, a disciplina a que está submetido é outra prisão, que só vai ser percebida quando o protagonista conhece Aleixo, adolescente que trabalha como grumete na mesma corveta em que está Amaro.
Interessante é ter em mente que o protagonista ganha identidade graças ao outro. Entende por que suas duas experiências com mulheres foram fracassadas.
Entende o que é ao descobrir do que gosta, o que o faz desencantar-se do meio em que está. Deixa de ser o marinheiro submisso. Tanto que o livro inicia-se com o relato das chibatadas que Amaro recebeu, justo por ter arranjado briga em defesa do menino. Detalhe: com essa técnica de sedução, o que Amaro consegue é mais gratidão do que amor.
Com a necessidade de reforma da corveta em que trabalham, os dois marinheiros são autorizados a descer no Rio de Janeiro. Amaro arranja um quarto na pensão de D.Carolina, antiga prostituta e que também colhe pelo protagonista uma enorme gratidão ele a havia salvado de uma tentativa de assalto. Revela-se, mais uma vez, o espírito bondoso do Bom-Crioulo.
Aqui cabe mais uma observação. Não há reprovação nenhuma por parte da mulher quanto ao relacionamento que vê diante de si, ainda mais por Amaro ter mais de 30 e Aleixo pouco mais de 15. Ela entra no mesmo esquema do livro: não faz julgamentos nítidos.
Tudo se passa meio torto, pela observação tangencial, indireta, do narrador sobre o que outras personagens falam. As questões morais não estão no cerne da obra. Esse mesmo toque tangente é visto no que se refere a sexo. Tem-se a coragem pelo menos para os padrões da época de se citar o que está ocorrendo, mas na hora de relatar, descrever, narrar o que de fato acontece, corre-se uma cortina de reticências.
Enfim, é criada uma estabilidade matrimonial efêmera. É digno de nota o que acontece entre os dois, quando se fecham no sujo quartinho de pensão. Amaro mais se delicia em admira o corpo do seu amado do que com o prazer sexual. Parece que o menino, além de dar ao protagonista identidade, dá também um sublime senso estético, ou algo próximo disso. É uma evolução, de certa forma.
Como já se disse, o equilíbrio da união é temporário. Em primeiro lugar, já se notam indícios de que não há amor, ou mesmo atração, mas gratidão de Aleixo por Amaro. Talvez isso justifique a impaciência do menino com a rotina do Bom-Crioulo admirar seu corpinho branco.
Além disso, Amaro é transferido de navio, cujo capitão, extremamente rígido, só lhe dá folga uma vez por semana, ocasionando horários desencontrados entre os amantes não se vêem mais, pois. E, para piorar, D. Carolina determina, como último capricho de senhora, seduzir o rapazinho, no que é vitoriosa. Estabelece-se, dessa forma, o mais estranho triângulo amoroso de nossa literatura, pois o elemento desestabilizador é uma mulher, que rompe justo a união de dois homens.
Insatisfeito, Amaro chega a beber, o que altera sua personalidade é o único ingrediente que o faz radicalmente deixar de ser o Bom-Crioulo. Desequilibrado, arranja confusão e por causa disso recebe uma quantidade inominável de chibatadas. Baixa, portanto, a um hospitalprisão, em que mergulha no tédio da recuperação e do abandono. Chega a mandar um bilhete, pedindo a visita de seu amado, mas D.Carolina inutiliza-o.
Solitário e frustrado, Amaro começa a ficar inquieto quando sabe, por meio de um companheiro que passa pelo hospital, que Aleixo estava de caso novo. Realiza, pois, mais uma fuga sempre o tema da busca da liberdade em direção da pensão. No caminho, a verdade é completada, o que o deixa mais furibundo, aspecto que se agrava pelo fato de já estar bebendo.
Então, o desfecho. De forma extremamente rápida, em meio à multidão, Amaro encontra Aleixo, mata-o e acaba sendo levado preso. O interessante é observar, neste momento, a movimentação da coletividade, acompanhando com curiosidade sórdida a cena para depois cair na apatia. Uma tragédia que mergulhava na anestesia do esquecimento.
Características naturalistas encontradas no livro: A causa dos problemas são fatores naturais (meio raça momento); O determinismo expressa-se no romance de forma clara e evidente, conduzindo seus personagens ao destino que lhes pertence.
retirado do algosobre
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2 comentários:
comprei! se o pessoal de maringay se interessar tem no sebo cultura, por 5 pilas e por 10zão.
abraço.
deu 'tíuti' na home do blog aqui e aí?
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