"Na praia, Mustapha encontrou seus amigos e jogou futebol com eles a tarde toda. Eles me convidaram para jogar com eles. Com medo de me ridicularizarem, que ainda uma vez me chamassem de menininha, declinei do convite e fiquei sozinho, oferecendo meu corpo, já moreno, ao sol.
*Área antiga e muçulmana de uma cidade, por oposição à área recente da cidade, influenciada pelos europeus. Em geral, no Magreb.
Um homem de uma certa idade (35 anos? 40?) veio em minha direção. Ele tocou meu ombro delicadamente e me disse, em francês:
"É preciso tomar cuidado com o sol. É perigoso. Você tem protetor solar?".
Ele não me deixou o tempo de responder e me propôs o seu. Eu o espalhei no corpo inteiro e o devolvi, agradecendo-lhe. Tão logo, ele reveio:
"As costas. Você esqueceu de colocar nas costas. Vire-se, vou te ajudar... as costas... é difícil de...".
Eu fiz o que ele me dizia. Ele colocou sua mão esquerda no meu ombro e começou a espalhar o protetor nas minhas costas com a mão direita. Isso não durou muito, no máximo um minuto.
- Como você se chama?
- Abdellah.
- Eu sou Salim.
- Você é marroquino?
- Sim!
- Então por que você fala em francês?
- Porque eu vivo em Paris. Não conheço o árabe.
- Você quer dizer que não conhece nenhuma palavra em árabe?!
- Conheço talvez quatro ou cinco... no máximo...
- E isso não te faz falta... falar a língua do teu país, teu primeiro país?
- Não, sinceramente não! E você, onde você aprendeu o francês?
- Meu francês não é bom, eu sei, ainda cometo muitos erros. Aprendi na escola, como todo mundo aqui.
- O que você faz em Tanger, sozinho?
- Em férias. Estou com meu irmão mais novo que joga futebol lá embaixo e com meu irmão mais velho que hoje ficará o dia todo em Tétouan.
- Então você está sozinho?
- Sim, se você prefere ver assim.
- Você gostaria de ir pra algum lugar, apenas nós dois?
- Onde?
- Ao cinema, por exemplo.
- Tem um cinema na entrada da médina* que se chama Mauritanya.
- Eu o conheço muito bem. Você quer ir ver um filme?
- Sim, adoraria. Adoro cinema... Mas tem um problema... meu irmão mais novo.
- Ele pode ficar aqui jogando futebol. A gente não vai se ausentar por muito tempo, nno limite duas horas. E tomaremos um táxi pra voltar à praia.
- Certo. Vou avisá-lo.
Sábado
Me sinto mal, mal, mal.
Sou um tratante.
Traí Abdelkébir.
No cinema, com Salim.
E o pior é que eu adorei aquilo, ser abarcado pelos braços fortes deste homem de 40 anos que cheirava bem e que me falava ao ouvido em francês enquanto tentava encontrar um caminho para meu sexo, minha bunda. Me dei a ele. Ele não me fez sofrer. Sim, eu amei aquilo. Meu deus!"
"É preciso tomar cuidado com o sol. É perigoso. Você tem protetor solar?".
Ele não me deixou o tempo de responder e me propôs o seu. Eu o espalhei no corpo inteiro e o devolvi, agradecendo-lhe. Tão logo, ele reveio:
"As costas. Você esqueceu de colocar nas costas. Vire-se, vou te ajudar... as costas... é difícil de...".
Eu fiz o que ele me dizia. Ele colocou sua mão esquerda no meu ombro e começou a espalhar o protetor nas minhas costas com a mão direita. Isso não durou muito, no máximo um minuto.
- Como você se chama?
- Abdellah.
- Eu sou Salim.
- Você é marroquino?
- Sim!
- Então por que você fala em francês?
- Porque eu vivo em Paris. Não conheço o árabe.
- Você quer dizer que não conhece nenhuma palavra em árabe?!
- Conheço talvez quatro ou cinco... no máximo...
- E isso não te faz falta... falar a língua do teu país, teu primeiro país?
- Não, sinceramente não! E você, onde você aprendeu o francês?
- Meu francês não é bom, eu sei, ainda cometo muitos erros. Aprendi na escola, como todo mundo aqui.
- O que você faz em Tanger, sozinho?
- Em férias. Estou com meu irmão mais novo que joga futebol lá embaixo e com meu irmão mais velho que hoje ficará o dia todo em Tétouan.
- Então você está sozinho?
- Sim, se você prefere ver assim.
- Você gostaria de ir pra algum lugar, apenas nós dois?
- Onde?
- Ao cinema, por exemplo.
- Tem um cinema na entrada da médina* que se chama Mauritanya.
- Eu o conheço muito bem. Você quer ir ver um filme?
- Sim, adoraria. Adoro cinema... Mas tem um problema... meu irmão mais novo.
- Ele pode ficar aqui jogando futebol. A gente não vai se ausentar por muito tempo, nno limite duas horas. E tomaremos um táxi pra voltar à praia.
- Certo. Vou avisá-lo.
Sábado
Me sinto mal, mal, mal.
Sou um tratante.
Traí Abdelkébir.
No cinema, com Salim.
E o pior é que eu adorei aquilo, ser abarcado pelos braços fortes deste homem de 40 anos que cheirava bem e que me falava ao ouvido em francês enquanto tentava encontrar um caminho para meu sexo, minha bunda. Me dei a ele. Ele não me fez sofrer. Sim, eu amei aquilo. Meu deus!"
*Área antiga e muçulmana de uma cidade, por oposição à área recente da cidade, influenciada pelos europeus. Em geral, no Magreb.
Abdellah Taïa (L'armée du salut, Paris: Seuil, 2006, p. 59-61, livre tr.). O escritor marroquino foi o primeiro intelectual muçulmano a se assumi publicamente como homossexual após dar entrevista à revista francesa TelQuel, em 2007. Isso o tornou imediatamente famoso na França e no Marrocos, onde se iniciou uma grande controvérsia. Como se sabe, no Marrocos qualquer prática homossexual é crime com pena de detenção. Taïa acredita que, apesar disso, a homofobia não é inerente ao Islã e que o islaminsmo intolerante não é tão consensual quanto possa parecer. Para o escritor, a cultura popular marroquina não deve ser reduzida a esses atos inaceitáveis.
O Exército da salvação (L'armée du salut) é uma história autobiográfica, de uma escrita delicada e envolvente, que conta sobre a infância e a adolescência do autor em Rabat, suas experiências consigo, o amor com o irmão mais velho, a descoberta do sexo, a dor da discriminação, a chegada à Suíça e a confrontação com a solidão, com a incertidão e com a cultura do silêncio, até seu estabelecimento em Paris como estudante de letras.
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