29.7.09

a viadagem encampando a pobrefobia
manifestação política uma ova

"'A calça é Calvin Klein, a camisa é Calvin Klein e a cueca também é Calvin Klein', descreve-se o geofísico Leandro, 24, sobrenome não revelado, que veio de Brasília especialmente para participar hoje (10 de junho de 2007) da 11° Parada do Orgulho GLBT de São Paulo. Louco por moda e por grifes, ele aproveita a viagem para mergulhar nas compras nos Jardins."
"'Os gays malham a semana inteira, juntam dinheiro para vir à balada e idealizam esse dia como se fosse o último da vida deles', diz o produtor Beto Matte, 35, por volta das 5h. De acordo com Matte
ninguém quer realmente nada com ninguém, apenas exibir o corpo esculpido, caçar quem tem droga e, aí sim, beijar vários."
("Parada Gay aquece mercado de luxo", Daniel Bergamasco, Folha de São Paulo, caderno Cotidiano, 10 de junho de 2007)
"'Só uso tênis Puma, tenho sete pares', contabiliza o publicitário Thiago Guez, 23, 1,95 m, 95 kg. São 3h25 quando ele entra na boate vestindo um casaco debruado de pele 'comprado em Paris', jeans Diesel e uma camisa Zara. Usa perfume Jean Paul Gaultier, mas seu preferido é o 212, de Carolina Herrera."
"O engenheiro Augusto, 35, acredita que 'os gays não gostam de bichas'. 'Eles ficam com vários aqui na boate porque está tudo escuro, o som é muito alto e não é preciso ouvir a voz (fina) de ninguém. No dia seguinte, sem nada na cabeça, a música é outra."


("'Teste comparativo avalia pagode lésbico e frenesi gay", Paulo Sampaio, Folha de São Paulo, caderno Cotidiano, junho de 2007)
"'Nunca vi tanta gente feia!' diz o estudante bombado, descamisado e depilado Vitor Prado, 19, saindo da Parada Gay. A frase foi ouvida muitas vezes pela reportagem, em diferentes grupos do evento. A maioria dos queixosos são representantes da ala masculina. De acordo comos correligionários de Prado, desde a prmeira edição, onze anos atrás, a Parada do Orgulho GLTB se produzi demais e 'hoje é frequentada por pessoas que nem são gays' (...) 'Isso aqui está irreconhecível, olha só quanto mano', aponta para um grupo de jovens de bermudão e skates o administrador Ricardo Sá, 29. Apesar de manter o fundamento militante, o movimento agora recebe adesão de pessoas que, segundo Sá e os cinco amigos que o acompanham, o descaracterizam. 'Acontece que isso aqui é um evento aberto, não precisa pagar nada. Então, não dá para controlar a frequência', diz o professor Emanuel Via. O preconceito parece contagioso. Esquecido da essência superpartidária da parada, o fotográfo carioca Mauro Scur, 32, diz: 'Como vocês dizem aqui em SP, só tem periferia. Lá no Rio, a gente diria suburbano'."


(Paulo Sampaio, "Nunca vi tanta gente feia', dizem habitués", Folha de São Paulo, caderno Cotidiano, 11 de julho de 2007).
São muitos os ensaios que trataram de analisar a formação da civilização brasileira e que se consagraram na história do pensamento nacional por sua excelência ao tratarem das peculiaridades que caracterizam o povo brasileiro. De Sergio Buarque a Roberto DaMatta, Euclides da Cunha à Antônio Cândido, de Caio Pardo à Alfredo Bosi, nenhum passa batido pela questão da heterogeneidade presente em nossa formação. De tudo: das relações humanas, da estrutura social, familiar, dos ritos, da visão de mundo. Estamos no país em que o católico conversa com paidesanto, o milico transmite informação para o preso político, a mulher que criminaliza o aborto é a mesma que já passou por uma fazedora de anjos, o diretor de campanha do PSDB vota no Lula e por aí vai. Só mesmo num país cuja desigualdade social é atroz e reverbera para todos os lados, essas escancaradas contradições podem ser mantidas; pior, não raro atingem dimensões catastróficas (o nepotismo, o comercial de cerveja no canal do bispo, o banco público que tem lucro gordo que não volta para o público...) e são minimizadas, passam quase que despercebidas, para serem, enfim, aceitas.


Homens infantilizados


Eu me pergunto:como um evento que, a princípio, tem como razão de ser a defesa da abolição da desigualdade jurídica, do preconceito social, da violência civil dos quais é vítima categórica um nicho social tradicionalmente depreciado na história de nosso país é capaz de atrair gente que vê problema em estar ao lado de alguém que, ou por escolha ou por uma simples questão de impossibilidade ( a segunda é, claro, pior, mas está aí, dane-se), não se aparenta com roupas, calçados, acessórios e artefatos que aumentam cada vez mais os lucros dos donos de butique? Pois aqui do lado de baixo do equador , vítima de preconceito é o primeiro a externar os seus, assim, dessas forma assaz inconseqüente como se lê na epígrafe de excertos do jornal. Como se hierarquizar pessoas, sentimentos e valores à partir de um viés estritamente consumista, com julgamentos precipitados, fosse “natural”. Isso ocorre simplesmente porque a balela de “guerra ao preconceito” não passa disso: balela. A Parada Gay de São Paulo é um evento nazista, segregacionista e vulgar, cria de uma sociedade consumista fetichista e mesquinha. Basta ir lá e conferir: homens infantilizados, sem a menor percepção do ridículo que é ser um moleque de 50 anos, um drogado escapista ou fiar desfilando com o sexo pra fora, para retificar sua existência estúpida e sua massa muscular exagerada, inversamente proporcional à sua massa encefálica.




Circo de horrores


Qual a conclusão possível ao ver um Kassab ou um Serra da vida, figuras de ações, vislumbres e reações tipicamente reacionárias (como chamar trabalhador de vagabundo ou privatizar universidade pública) declarando “apoio” à causa gay? Pode-se concluir que, mais do que qualquer outra coisa, é o dinheiro que os viados têm o que realmente importa. Todos já sabem que, depois da Fórmula 1, a Parada é o evento turístico que mais injeta grana na cidade. Taí: a Parada Gay não passa de um evento turístico, para inglês ver, se esbaldar e, claro, torrar seu rico dinheirinho. Há uma grande banalização do amor, das relações interpessoais, da vida, da felicidade, do outro? Não importa;conquanto que esse circo de horrores gire uma grana razoável pra encher os bolsos dos mesmos de sempre, os nossos pobres poderes assinam embaixo. Tal qual disse um amigo, mais do que racismo, machismo, homofobia ou qualquer outra pujança simplista investida contra o outro, o que mais temos aqui no Brasil varonil é pobrefobia. Os guetos homossexuais de São Paulo são entristecedores: gente pobre que se encontra consigo mesmo na jaqueta, no tênis, no celular. Da próxima vez que alguém se atrever a dizer que Marx está “ultrapassado”. Além de sugerir que ele leia o que o homem escreveu (fato raro entre os “críticos” do marxismo), vou recomendar-lhe que visite o shopping Frei Caneca, pra ter um contato real com a fetichização materialista difundida pelo capitalismo, da qual o nosso pensador alemão tratou tão bem em sua obra.
E é essa força da grana que ergue coisas podres aqui. Não faço idéia de como isso possa ter surgido, se é um movimento localizado ou, segundo a lógica do historiador francês Braudel, uma manifestação da longa duração; se esse traço pode ser percebido em outros contextos, configurado segundo dadas peculiaridades, não sei. O que sei é que agora o falacioso anátema esta aí: viado puro sague é aquele com dinheiro no bolso. Conseguiram convencer os ignorantes de que, para que eles possam vislumbrar alguma dignidade, eles precisam corresponder a um estereótipo. Qual a razão do desconforto em negar o estereótipo da bichalôca, efêminada, fágil, alcoviteira e invejosa, sendo que o estereótipo do bombado, usuário de grife e disposto a gastar dinheiro da forma mais inconseqüente possível não só é aceito como defendido e propagado? Estereótipo não é tudo a mesma coisa,não são todosl imitantes? Por que negar um e, no mesmo fluxo, legitimar outro? Além de, no fundo, no fundo partirem da mesma perspectiva homofóbca que vocifera ser o homossexual um torto, um excremento localizado no corpo que precisa ser encerado de alguma forma ( na medicina,na psicologia ou na sessão do descarrego da Igreja Universal), colocam como ponto de encontro para si mesmos a luxúxra, a competitividade, o tosco. Ou seja, no fundo acreditam que homossexualidade tem tudo a ver com exagero, excesso, estravagância. Homossexualidade é ter atração sexual pelo ser do mesmo gênero que o seu, só isso. O resto é desespero de pessoas que, como bem definiu Cazuza, “tão no mundo e perderam a viagem”.


Gente doente


E claro, como não poderia contrariamente ser, há os “militontos”, pseudorevolucionários que se pretendem militantes políticos, e se esforçam em convencer sabe lá quem de que a Parada Gay é uma manifestação de cunho político. Uma ova! Essa Parada esdrúxula nada mais é que um ponto de encontro de perdidos, um carnavalforadeépoca dos que se sentem aliviados na multidão, porque não têm a menor noção do que fazer com sua individualidades. Orgulho gay ao meu ver não tem nada a ver com escândalo. É você ir jogar bola com uns camaradas, participar de um grupo de estudos, fazer uma macarronada pra uma moça supimpa, cumprimentar o gari, pagar o imposto de renda, xingar o cara que te fecha no trânsito, ouvir Beatles, viver, afinal de contas, reagindo de acordo com as circunstâncias, sem que a sexualidade (nem a sua nem a dos outros) seja mote de deferência.
Sou bastante favorável à diversidade de Gilberto Freyre, que repara na mistura da formação de nosso povo e exerga possibilidades otimistas dessa mistura ser exercitada no cotidiano de nossa gente. Sei que não tenho nada a ver com a vida dos outros, que minhas impressões pouco importam para a história do pensamento humano, que cada um sabe a dor e o prazer de ser o que é. E também sei que não há nada mais emancipador do que ser tranqüilo diante de sua condição, seja em qual esfera for (social, cultural, política, estética...) è um barato educar a sensibilidade de seu corpo e de seu espírito para perceber as belezas sutis da vida. E é por isso que prefiro ir ver o vôlei do Bernardinho lá no Ibira. O jogo é bonito, a seleção é um timaço, e faz mais meu estilo ver gente animada vendendo saúde num ginásio que gente doente vendendo melancolia no meio da rua, entregue à sorte da liquidez moderna.



escrito por Paulo Nascimento* e publicado na revista Caros Amigos na seção Correio, julho de 2007. Obrigado Leandro!

*Paulo Nascimento, 23, é viado, assim como é alto, negro, de cabelos crespos, dedos finos e olhos castanhos . è bem resolvido com todas essas características supracitadas que tem, mas gosta mesmo é de ser lembrado por sua vontade de viver, sua perspicácia, a dedicação que investe nos estudos e sua habilidade como mestrecuca de república estudantil. Escreveu este texto como simples exercício de desabafo, pois sabe que não vai mudar o mundo - mas tem ciência que ser crítico em relação ao mesmo é sempre melhor.

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